O trabalho final da Disciplina do Professor Leandro Cristóvão foi direcionado à turma a partir de duas propostas: resenhas dos textos que não foram trabalhados em aula ou a aplicação das teorias e discussões em práticas de sala de aula ou material didático. Escolhi como foco do trabalho a segunda opção, a partir do questionário do livro "Prisma Progresa B1". Vejamos o resultados final de meus escritos:
Cultura:
previsibilidade comportamental? Uma análise de questionário sobre os costumes
espanhóis no livro Prisma Progresa
B1.
O
presente trabalho tem por objetivo relacionar o questionário presente na página
quinze do livro “Prisma Progresa”,
destinado ao ensino do espanhol como língua estrangeira no nível B1, e os
postulados resultantes dos textos teóricos e das discussões durante a
disciplina “Elementos Culturais no ensino de línguas estrangeiras”, ministrada
pelo professor Leandro Cristóvão no curso de Latu Sensu em ensino de línguas estrangeiras, oferecido pelo
CEFET-RJ (Maracanã).
O questionário,
integrante da unidade um do supracitado manual didático, está elaborado da
seguinte maneira: oito perguntas, de três a quatro alternativas de resposta, a
partir do proposto pelo enunciado: “Contesta individualmente a este cuestionario
y después comenta con tu compañero tus respuestas para tratar de averiguar cuál
se adaptará más a la cultura española”. É
uma atividade, segundo o guia do professor, que objetiva trabalhar a cultura na
sala de língua estrangeira (LE), uma vez que a presença do fazer cultural na
obra em questão é considerada por seus autores como “primordial al desarrollo
de la competencia lingüística del alumno” (Citar manual).
A
respeito do ensino de cultura numa língua estrangeira (LE),
Moita Lopes (2005:49), em seu artigo “Ensino de inglês como espaço de embates
culturais e de políticas da diferença”, afirma ser um verdadeiro “truísmo” a inserção dos
elementos culturais de uma LE nos momentos de ensino desta. Para o autor, a cultura, em diversas
abordagens -tradicionais ou comunicativas- seria tomada como “parte do processo
de ensinar uma LE” (MOITA LOPES, 2005:50) e estaria intrínseca no planejamento
de diferentes contextos no ensino de idiomas. Assim sendo, a atividade parece
oferecer, para os elaboradores do material didático, um espaço relegado ao
cultural de modo a propiciar ao aluno um panorama acerca do modus vivendis dos falantes nativos e
seria, por conseguinte, uma profícua influência no desenvolvimento da
competência linguística em LE.
Passa-se,
agora, à descrição do questionário e os possíveis efeitos que o mesmo, através
de suas perguntas, alternativas de resposta e enunciado parecem produzir, segundo
a autora deste trabalho, nas visões sobre a cultura que se oferece ao aprendiz
de uma LE (no nosso caso, a modalidade estrangeira do espanhol).
A
proposta de realização do exercício é dividida em dois momentos: um, individual,
com a eleição das alternativas e, o outro, grupal, através da divulgação das
respostas e posterior escolha do discente que mais se adaptaria à cultura
espanhola. Interessante observar o comando elencado no enunciado: quem, pelas
respostas escolhidas, se aproximar mais do gabarito, seria o mais apto a
adaptar-se à cultura espanhola, encarada no questionário como uma lista de “previsibilidades
comportamentais”. Pelas “melhores respostas”, confere-se ao discente um status próximo ao do “falante nativo
perfeito” (Rajagopalan, ano): o “não- nativo”, então, deveria deixar totalmente a sua cultura e
identidade e submeter-se a um processo de adaptação
cultural para ter os mesmos
comportamentos culturais do outro. De fato, conforme nos aponta o teórico
indiano, passamos, pelo processo de aprendizagem de uma LE, a ser outras
pessoas, o que é considerado relevante na trajetória da “redefinição cultural”.
No entanto, como nos sublinha o mesmo autor, “É preciso dominar a língua
estrangeira, fazer com ela se torne parte da nossa própria personalidade; e jamais permitir que ela nos domine”
(RAJAGOPALAN, ano:70, nossos grifos). Nenhum falante “não-nativo” poderia, em
nossa visão, ter a pretensão de assumir
comportamentos culturais idênticos às sociedades da língua-alvo, bem como
alcançar o mesmo nível de proficiência linguística dos ditos “nativos”.
Vejamos
como isso se dá nas opções e comandos do questionário.
A
primeira questão versa sobre o horário de chegada ao jantar: “Si te invitan a
cenar a las 22:00 y llegas a las 22:20, significará...”, e apresenta as seguintes opções: a- “que
llegas a tiempo” ; b- “que eres impuntual”. A alternativa considerada “correta”
na pergunta é a primeira. Mostra-se, assim, que na sociedade espanhola, o
atraso é uma prática usual e ninguém se “aborreceria” caso ocorresse uma
impontualidade. Será mesmo que todos os quarenta e sete milhões de habitantes,
espalhados por todo o território espanhol, não considerariam um atraso a
chegada de vinte minutos depois do horário acordado em um compromisso? Não
haveria, conforme já dito, certa previsibilidade comportamental de todos os
falantes desse país a ter a mesma reação?
Em
relação a essa questão, Moita Lopes (2005:51) postula que na ideia tradicional
do ensino de “cultura” de uma LE ocorrem visões fundamentalistas pelas quais os
alunos passam a encarar os falantes de uma determinada língua estrangeira:
haveria, assim, uma ideia subjacente “de que existe uma essência cultural que
pode representar todos os usuários de uma mesma língua”. Uma visão tradicional sobre
a cultura que aparenta favorecer cristalizações acerca das condutas dos nativos
classificado por Moita Lopes (2005:31) como “pasteurizações”: “os americanos
são assim”... “os britânicos são assado” e todos os espanhóis consideram os que
chegam vinte minutos após o horário acordado, pontuais.
A
questão número dois apresenta uma situação hipotética em que o aluno faria uso de um meio de transporte (metrô), e um espanhol começaria a estabelecer contato
visual: “Si estás en el metro y alguien te mira, pensarás que: opção a- es un maleducado; opção b- que quiere”ligar”
contigo e opção c- que es normal que la gente mire”. O gabarito oferece como
opção a resposta c. Novamente, o material “prevê” um comportamento espanhol:
ser “natural” a observação de pessoas nos transportes públicos. O motivo do olhar- por falta de educação- ou
a razão de um tom de desejo sexual pela questão do “ligar” são descartados na
opção: uma determinada cultura teria, desse modo, ações que seriam naturais: é
normal que o brasileiro sambe, o alemão goste de cerveja, o argentino dance
tango e tantos outros povos tenham em suas culturas uma essência imutável.
Semprini
(1999:90), ao relatar os embates entre as visões monocultural e intercultural,
afirma que estes têm alimentados diversas aporias conceituais que perpassariam
os espaços intelectuais e políticos americano. Uma delas seria a oposição
essencialismo versus construtivismo
que,segundo a autora , é recuperada da antiguidade clássica e utilizada como
argumentação do grupo multicultural às visões dos monoculturalistas acerca das
identidades, etnias ou sistemas de valores. Os monoculturalistas encaram os
grupos e as identidades sociais como “dados objetivos da realidade social”. Sua
existência, sua homogeneidade interna, sua especificidade cultural seria um
fato, aceito como tal e pouco suscetível de evolução”. (SEMPRINI, 1999:90-91) .
Dessa maneira, o exercício aparenta revelar o condicionamento comportamental a
que os espanhóis estariam fadados a ter nos meios públicos de locomoção: estabelecer
sempre o contato visual.
Outra
questão que poderia exemplificar bem uma prática “naturalizada” dos espanhóis é
a questão número oito. Trata da situação de um grupo de amigos que se dirigem a
um restaurante e cada um pagaria a sua própria conta: “um grupo de amigos va a
un restaurante, si cada uno paga por separado según lo que ha comido y bebido,
esto se considera: opção a- práctico; opção b- incorrecto;opção c- atípico e
por chave a alternativa b, o que corrobora com a visão de que no mundo
hispânico “quem convida , paga”.
No
entanto, ao dirigir, ainda que de forma empírica, um questionamento sobre esta
afirmação a um nativo, este me respondeu que tal prática tem se tornado cada
vez mais complicada em tempos de crise financeira, o que colocaria em jogo a
veracidade da resposta oferecida no gabarito.
Com
isso, e seguindo a visão de Moita Lopes (2005: 56), conclui-se que a atividade
proposta pelo manual Prisma Progresa pauta-se numa visão monocultural e
homogeneizante da população espanhola. Para o teórico “Os materiais didáticos
ainda são monoculturais e dão conta de uma cultura de aeroporto, como um pacote
onde se apagam as contradições (...)”. O que queremos fornecer quando falamos
de cultura aos nossos alunos? Um bibelô de aeroporto ou a possibilidade de
problematizar práticas e abordar diferenças? Seguimos com os nossos fazeres....
Referências bibliográficas
MOITA LOPES, L.
P. Ensino de inglês como espaço de embates culturais e de políticas da
diferença. In: GIMENEZ, T, JORDÃO, C, ANDREOTTI, V. (org.) Perspectivas
educacionais e ensino de inglês na escola pública. Pelotas: Educart, 2005, p.
49-67.
RAJAGOPALAN,
Kanavillil. “Língua estrangeira e auto-estima”. In: ______.
Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e questão ética. São Paulo:
Parábola
2003, p. 65-70.
SEMPRINI, A. O
nó górdio epistemológico. In:______. Multiculturalismo.
Bauru, S.P.:
EDUSC, 1999, p.81-96.