quarta-feira, 4 de junho de 2014

Trabalho final- Professor Leandro Cristóvão

O trabalho final da Disciplina do Professor Leandro Cristóvão foi direcionado à turma a partir de duas propostas: resenhas dos textos que não foram trabalhados  em aula ou a aplicação das teorias e discussões em práticas de sala de aula ou material didático. Escolhi como foco do trabalho a segunda opção, a partir do questionário do livro "Prisma Progresa B1". Vejamos o resultados final de meus escritos:

Cultura: previsibilidade comportamental? Uma análise de questionário sobre os costumes espanhóis no livro Prisma Progresa B1.
O presente trabalho tem por objetivo relacionar o questionário presente na página quinze do livro “Prisma Progresa[1]”, destinado ao ensino do espanhol como língua estrangeira no nível B1, e os postulados resultantes dos textos teóricos e das discussões durante a disciplina “Elementos Culturais no ensino de línguas estrangeiras”, ministrada pelo professor Leandro Cristóvão no curso de Latu Sensu em ensino de línguas estrangeiras, oferecido pelo CEFET-RJ (Maracanã).  
            O questionário[2], integrante da unidade um do supracitado manual didático, está elaborado da seguinte maneira: oito perguntas, de três a quatro alternativas de resposta, a partir do proposto pelo enunciado: “Contesta individualmente a este cuestionario y después comenta con tu compañero tus respuestas para tratar de averiguar cuál se adaptará más a la cultura española”.  É uma atividade, segundo o guia do professor, que objetiva trabalhar a cultura na sala de língua estrangeira (LE), uma vez que a presença do fazer cultural na obra em questão é considerada por seus autores como “primordial al desarrollo de la competencia lingüística del alumno” (Citar manual). 
A respeito do ensino de cultura numa língua estrangeira (LE)[3], Moita Lopes (2005:49), em seu artigo “Ensino de inglês como espaço de embates culturais e de políticas da diferença”, afirma ser  um verdadeiro “truísmo” a inserção dos elementos culturais de uma LE nos momentos de ensino desta.  Para o autor, a cultura, em diversas abordagens -tradicionais ou comunicativas- seria tomada como “parte do processo de ensinar uma LE” (MOITA LOPES, 2005:50) e estaria intrínseca no planejamento de diferentes contextos no ensino de idiomas. Assim sendo, a atividade parece oferecer, para os elaboradores do material didático, um espaço relegado ao cultural de modo a propiciar ao aluno um panorama acerca do modus vivendis dos falantes nativos e seria, por conseguinte, uma profícua influência no desenvolvimento da competência linguística em LE.
Passa-se, agora, à descrição do questionário e os possíveis efeitos que o mesmo, através de suas perguntas, alternativas de resposta e enunciado parecem produzir, segundo a autora deste trabalho, nas visões sobre a cultura que se oferece ao aprendiz de uma LE (no nosso caso, a modalidade estrangeira do espanhol).  
A proposta de realização do exercício é dividida em dois momentos: um, individual, com a eleição das alternativas e, o outro, grupal, através da divulgação das respostas e posterior escolha do discente que mais se adaptaria à cultura espanhola. Interessante observar o comando elencado no enunciado: quem, pelas respostas escolhidas, se aproximar mais do gabarito, seria o mais apto a adaptar-se à cultura espanhola, encarada no questionário como uma lista de “previsibilidades comportamentais”. Pelas “melhores respostas”, confere-se ao discente um status próximo ao do “falante nativo perfeito” (Rajagopalan, ano): o “não- nativo”, então,  deveria deixar totalmente a  sua cultura e  identidade  e  submeter-se a um processo de adaptação cultural para ter  os mesmos comportamentos culturais do outro. De fato, conforme nos aponta o teórico indiano, passamos, pelo processo de aprendizagem de uma LE, a ser outras pessoas, o que é considerado relevante na trajetória da “redefinição cultural”. No entanto, como nos sublinha o mesmo autor, “É preciso dominar a língua estrangeira, fazer com ela se torne parte da nossa própria personalidade; e jamais permitir que ela nos domine” (RAJAGOPALAN, ano:70, nossos grifos). Nenhum falante “não-nativo” poderia, em nossa visão,  ter a pretensão de assumir comportamentos culturais idênticos às sociedades da língua-alvo, bem como alcançar o mesmo nível de proficiência linguística dos ditos “nativos”.
Vejamos como isso se dá nas opções e comandos do questionário.
A primeira questão versa sobre o horário de chegada ao jantar: “Si te invitan a cenar a las 22:00 y llegas a las 22:20, significará...”,  e apresenta as seguintes opções: a- “que llegas a tiempo” ; b- “que eres impuntual”. A alternativa considerada “correta” na pergunta é a primeira. Mostra-se, assim, que na sociedade espanhola, o atraso é uma prática usual e ninguém se “aborreceria” caso ocorresse uma impontualidade. Será mesmo que todos os quarenta e sete milhões de habitantes, espalhados por todo o território espanhol, não considerariam um atraso a chegada de vinte minutos depois do horário acordado em um compromisso? Não haveria, conforme já dito, certa previsibilidade comportamental de todos os falantes desse país a ter a mesma reação?
Em relação a essa questão, Moita Lopes (2005:51) postula que na ideia tradicional do ensino de “cultura” de uma LE ocorrem visões fundamentalistas pelas quais os alunos passam a encarar os falantes de uma determinada língua estrangeira: haveria, assim, uma ideia subjacente “de que existe uma essência cultural que pode representar todos os usuários de uma mesma língua”. Uma visão tradicional sobre a cultura que aparenta favorecer cristalizações acerca das condutas dos nativos classificado por Moita Lopes (2005:31) como “pasteurizações”: “os americanos são assim”... “os britânicos são assado” e todos os espanhóis consideram os que chegam vinte minutos após o horário acordado, pontuais.
A questão número dois apresenta uma situação  hipotética em que  o aluno faria uso de  um meio de transporte (metrô),  e um espanhol começaria a estabelecer contato visual: “Si estás en el metro y alguien te mira, pensarás que: opção a-  es un maleducado; opção b- que quiere”ligar” contigo e opção c- que es normal que la gente mire”. O gabarito oferece como opção a resposta c. Novamente, o material “prevê” um comportamento espanhol: ser “natural” a observação de pessoas nos transportes públicos.  O motivo do olhar- por falta de educação- ou a razão de um tom de desejo sexual pela questão do “ligar” são descartados na opção: uma determinada cultura teria, desse modo, ações que seriam naturais: é normal que o brasileiro sambe, o alemão goste de cerveja, o argentino dance tango e tantos outros povos tenham em suas culturas uma essência imutável.
Semprini (1999:90), ao relatar os embates entre as visões monocultural e intercultural, afirma que estes têm alimentados diversas aporias conceituais que perpassariam os espaços intelectuais e políticos americano. Uma delas seria a oposição essencialismo versus construtivismo que,segundo a autora , é recuperada da antiguidade clássica e utilizada como argumentação do grupo multicultural às visões dos monoculturalistas acerca das identidades, etnias ou sistemas de valores. Os monoculturalistas encaram os grupos e as identidades sociais como “dados objetivos da realidade social”. Sua existência, sua homogeneidade interna, sua especificidade cultural seria um fato, aceito como tal e pouco suscetível de evolução”. (SEMPRINI, 1999:90-91) . Dessa maneira, o exercício aparenta revelar o condicionamento comportamental a que os espanhóis estariam fadados a ter nos meios públicos de locomoção: estabelecer sempre o contato visual.
Outra questão que poderia exemplificar bem uma prática “naturalizada” dos espanhóis é a questão número oito. Trata da situação de um grupo de amigos que se dirigem a um restaurante e cada um pagaria a sua própria conta: “um grupo de amigos va a un restaurante, si cada uno paga por separado según lo que ha comido y bebido, esto se considera: opção a- práctico; opção b- incorrecto;opção c- atípico e por chave a alternativa b, o que corrobora com a visão de que no mundo hispânico “quem convida , paga”.
No entanto, ao dirigir, ainda que de forma empírica, um questionamento sobre esta afirmação a um nativo, este me respondeu que tal prática tem se tornado cada vez mais complicada em tempos de crise financeira, o que colocaria em jogo a veracidade da resposta oferecida no gabarito.
Com isso, e seguindo a visão de Moita Lopes (2005: 56), conclui-se que a atividade proposta pelo manual Prisma Progresa pauta-se numa visão monocultural e homogeneizante da população espanhola. Para o teórico “Os materiais didáticos ainda são monoculturais e dão conta de uma cultura de aeroporto, como um pacote onde se apagam as contradições (...)”. O que queremos fornecer quando falamos de cultura aos nossos alunos? Um bibelô de aeroporto ou a possibilidade de problematizar práticas e abordar diferenças? Seguimos com os nossos fazeres....

Referências bibliográficas
MOITA LOPES, L. P. Ensino de inglês como espaço de embates culturais e de políticas da diferença. In: GIMENEZ, T, JORDÃO, C, ANDREOTTI, V. (org.) Perspectivas educacionais e ensino de inglês na escola pública. Pelotas: Educart, 2005, p. 49-67.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. “Língua estrangeira e auto-estima”. In: ______.
Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e questão ética. São Paulo: Parábola
2003, p. 65-70.
SEMPRINI, A. O nó górdio epistemológico. In:______. Multiculturalismo.
Bauru, S.P.: EDUSC, 1999, p.81-96.



[1] BLANCO,Maria Cristina. Prisma Progresa: método de español para extranjeros – nível B1. Madrid: Edinumen, 2010.
[2] O questionário encontra-se no anexo deste trabalho. Foram recortadas algumas  questões  com o objetivo de relacionar as teorias apresentadas durante o curso de “Elementos culturais no ensino de línguas estrangeiras” às perguntas , alternativas e ao enunciado propostos na atividade.

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